Trombando com Cegos
Outro dia uma pessoa andava pela rua possivelmente tão perdida em seus pensamentos que trombou com um cego, o que aparentemente é um absurdo. Como uma pessoa que enxerga, ou deveria enxergar, pode trombar com um cego é uma coisa que a princípio não da para entender.
Realmente parece absurdo, temos vontade de rir, mas não devemos rir, pois é o que fazemos o tempo todo. Trombar com cegos é o que fazemos quando discutimos com alguém que não tem a percepção do real, que não tem compaixão, paciência, tolerância, respeito, enfim, alguém que está totalmente entregue aos seus desejos, suas paixões, aos seus egos.
Por exemplo, se falamos alguma coisa para alguém e este alguém não compreende o que dizemos, não há razão para discutir, a não ser que damos importância para ter razão, o que é cegueira. Se a outra pessoa está cega e entramos em uma discussão com ela, se saímos do estado de serenidade, então ou também somos cegos ou caímos no adormecimento.
Sempre que esquecemos de nós mesmos, estamos correndo o risco de trombar com cegos. Mas certamente é muito pior cair no adormecimento, no esquecimento de si mesmo, do que ser cego.
Aparentemente existem dois estados, o estado de adormecimento profundo, que é a cegueira, e o estado desperto. Mas entre os dois parece existir muitos graus, sub estados, onde os que não despertaram completamente ficam oscilando.
Acreditamos que tivemos motivos para ficarmos nervosos, para termos raiva, inventamos frases para nos justificarmos, dizemos “Ele foi muito grosso, não tinha como não ficar nervoso.”, “Ele foi muito grosso, tive que fazer alguma coisa!”, “Qualquer um teria ficado com raiva!”, “Ele pisou no meu pé como não iria fazer nada?”, “Ele me ofendeu!”. Mas na verdade quanto mais cego for o cego, mais motivos temos para expressarmos virtudes, não o contrário, nunca o contrário. Ou somos serenos, pacientes, tolerantes, ou não somos nada disso, essa história de dizermos “Sou paciente, mas ele passou do limite.”, é só mais uma de nossas invenções, mais uma desculpa para continuarmos com o absurdo de trombar com cegos.
Imaginemos dois cegos trombando entre si, se olharmos para esta cena certamente sentiremos alguma compaixão. Mas quando olhamos para duas pessoas discutindo, brigando, o que acontece é que, adormecidos que estamos, nos identificamos, lembranças do passado assolam nossa mente, egos saltam para fora, tomamos partido de um dos lados, senão pior. Quando o que deveríamos fazer é ter compaixão dos cegos se trombando.
Por Fabio Balota