Sobre a Felicidade
“Feliz aquele que tem uma alma. Feliz aquele que não a tem. Infelicidade e sofrimento para aquele que só tem a semente dela.”
Gurdjieff
As causas reais da infelicidade não estão na ausência de pessoas, dinheiro, casa, carro ou emprego. As causas reais estão dentro, e não fora de nós, nunca do lado de fora. A felicidade não é e nem está em qualquer objeto a ser encontrado ou possuído, não está em nenhum lugar fora de nós mesmos. Desse modo, não há lugar nenhum para ir, não há nada a fazer e nem a ser conquistado para se alcançar a felicidade. Felicidade é um estado interno, é satisfação, contentamento e regozijo. Felicidade é.
Quando desejamos a felicidade negamos que somos felizes, nós a afastamos, criamos um véu que nos impede de percebermos que somos e podemos ser felizes. Criado este véu, saímos em busca de uma felicidade inexistente, de uma fantasia. É como se estivéssemos procurando por dinheiro estando sentados num baú de ouro, procurando pelos óculos que estão em nosso rosto ou procurando nossos próprios olhos. Para ser feliz basta ser feliz. Ninguém pode possuir a felicidade.
Diz Samael Aun Weor em seu “Tratado de Psicologia Revolucionária”:
“Que se entende por bem-aventurado? Que se entende por felicidade? Estamos seguros de que somos felizes? Quem é feliz? Conheci pessoas que diziam: Eu sou feliz! Estou contente com a minha vida! Sou ditoso! Porém, desses mesmos vim a escutar: “me desagrada fulano de tal! Aquele tipo não me cai bem! Não sei por que não me fazem aquilo que tanto queria que me fizessem!”. Então, não são felizes… O que acontece realmente é que são hipócritas.”
…
“Existem momentos prazerosos, muito agradáveis, mas isso não é felicidade. As pessoas confundem o prazer com a felicidade.”
Não podemos confundir prazer com felicidade. Do contrário seguiremos pelo caminho errado e nunca chegaremos aonde queremos. O prazer é do tempo, é passageiro, momentâneo, impermanente e fugaz, mas estamos sempre querendo mais, como se tentássemos de alguma forma, eternizar o que é efêmero.
Diz o verso 290 do Dhammapada:
“Se, pela renúncia a uma felicidade inferior, é possível alcançar uma felicidade superior, que o homem sábio abandone a inferior pela superior.”
Renunciar ao prazer para obter a verdadeira felicidade é uma atitude inteligente. O prazer e a busca do prazer não trazem sabedoria; trazem apenas dor e sofrimento, ao que alguns tolos chamam de aprendizados da vida. O prazer não liberta; ao contrário escraviza e aprisiona.
Na ânsia de se obter prazer ou temendo não obtê-lo, vamos nos tornando cada vez mais luxuriosos, gulosos, gananciosos e invejosos; vamos medindo e premeditando cada vez mais as nossas palavras, nos transformando em alvos cada vez mais fáceis da malícia e da maldade, em seres exploradores e manipuladores, que passam a usar os outros como objetos para a satisfação de seus próprios desejos.
Por mais incrível que possa parecer, todos querem ser felizes, mas ninguém é feliz. Na busca da felicidade alguns ultrapassam os limites, causando dor e sofrimento ao próximo. É impossível obter a verdadeira felicidade à custa da infelicidade alheia. Pode-se até obter algum prazer agindo desta maneira, mas sabemos que há maldade e crueldade nessa forma desumana de se buscar felicidade. O ensinamento de Buda nos alerta: “Evitar o mal, cultivar o bem, purificar a própria mente: esse é o ensinamento de todos os Budas”.(Dhammapada 183)
As pessoas perdem seu tempo e suas vidas atrás de prazer, riqueza, fama, sucesso, status, títulos, atrás de uma felicidade ilusória e de fantasias. Por exemplo: quase nunca uma pessoa está plenamente satisfeita com seu parceiro afetivo, e valendo-se de muitos pretextos, continuam a buscar ansiosamente a “pessoa certa”. Mesmo já tendo uma relação estável, esses insatisfeitos costumam se encantar facilmente com novas pessoas e possibilidades, depositando nelas suas esperanças de felicidade que, definitivamente, não está ali. E não tardam a descobrir que não está, mas, ainda assim, continuam a procurar. Procuram alguém mais alto, mais bonito, mais bem sucedido, mais culto, mais espiritualizado, mais isso e mais aquilo, como se tais predicados pudessem assegurar a satisfação plena. O que estão fazendo e não sabem, é correr atrás de mudanças externas para tentar resolver algo que acontece internamente. Acreditam que podem preencher o vazio interno com algo externo. Em momento algum, param para refletir e analisar o porquê dessa procura insaciável e de tudo o que se esconde por trás dela. Em momento algum param para refletir e analisar sua própria infelicidade, e assim seguem infelizes e insatisfeitos. Na realidade este exemplo cabe em todas as situações da vida, este quadro de insatisfação não se restringe apenas aos relacionamentos amorosos, ocorre também nas buscas relacionadas a emprego, casa, carro, dinheiro, religião e amigos.
Vivemos em busca de mais, sempre mais. Vivemos na esperança, na expectativa de um dia conseguir alcançar esse mais, como se alguma coisa estivesse faltando, mas é somente renunciando a tudo isso que a verdadeira felicidade se torna possível. A satisfação e o contentamento surgem diante da percepção de que nada falta. Para se alcançar a verdadeira felicidade, não há nada a ser conquistado; há, sim, muito a se renunciar. Precisamos admitir que as motivações que assimilamos e prontamente aceitamos estão erradas, equivocadas.
A busca por riqueza, fama, sucesso, status, títulos e a luta para ser “alguém” nunca nos levou e nem nos levará à felicidade. Tais ambições e motivações, só nos levam à competição, inveja, cobiça, frustração, mágoa e tristeza. Essas buscas frementes não farão de nós pessoas mais felizes e realizadas. Tudo o que conseguiremos é uma vida de aparências e infelicidade, distante da nossa própria essência. Seremos ricos, diplomados, famosos e… infelizes.
O mundo sempre prometeu muito, mas nunca cumpriu. Sempre nos levou às tristezas, mágoas e frustrações. O que nos levou a acreditar nas promessas do mundo foram nossos próprios desejos. Para ser feliz é preciso renunciar a tudo isso. É preciso ter coragem de renunciar às promessas e apelos do mundo.
Se criamos condições, esperanças e expectativas é porque estamos insatisfeitos, descontentes com o presente, com as situações que se apresentam diante de nós. Mas somos nós que criamos a nossa própria infelicidade, não há nada de errado com a vida ou com as situações e condições que ela nos impõe.
A felicidade é de certa forma uma habilidade, a habilidade de saber viver. É um estado interno. É preciso manter um estado de felicidade e paz interior, ainda que a realidade externa se apresente negativa aos nossos olhos. Para atingir esse estado temos de abandonar os sonhos e as fantasias, as esperanças e as expectativas. É possível sentir alegria e felicidade, mesmo quando as coisas não saem como esperamos. É possível sentir alegria pelo sucesso e felicidade do outro. Se assim não acontece, é porque há algo errado; é porque estamos com inveja, com raiva, frustrados, insatisfeitos e descontentes.
Diz Gandhi:
“Felicidade é a harmonia entre o pensar, o dizer e o fazer.”
Quando experimentamos sensações de liberdade, paz e felicidade, não devemos pensar que elas vieram do exterior. Da mesma forma, não podemos achar que alguma provocação externa desencadeou o que está errado em nossa mente. O externo é pouco confiável e está fora de nosso controle, e depender de algo pouco confiável não é uma atitude inteligente.
Quando a mente está limpa e tranqüila, atenta, livre dos discursos dos egos, a felicidade e a paz surgem naturalmente. Nesses breves momentos, podemos compreender que a verdadeira paz e a felicidade são de fato possíveis.
Para sermos felizes não precisamos fazer nada. Precisamos apenas parar de gerar infelicidade e de criar problemas. Gostamos de criar problemas porque no fundo eles distraem a mente e nos dão o que fazer. É uma forma de fugir do tédio, da vida. De certa forma, chegamos a sentir prazer em vivê-los. Chegamos até mesmo a nos vangloriar, nos orgulhar, e nos envaidecer de nossos problemas.
Estabelecemos condições e metas que os outros devem cumprir, para que possamos então nos abrir e ser felizes. Como não é isso que normalmente ocorre, nos frustramos e culpamos os outros pela nossa infelicidade.
Estabelecemos condições e metas que nós mesmos nos propomos a cumprir para nos tornarmos felizes: uma casa, um carro, um emprego melhor. Mesmo que alcancemos tudo isso, não ficamos felizes, ou se ficamos, é só por alguns instantes. Isso ocorre porque estamos buscando do lado de fora uma felicidade que deve vir de dentro, porque estamos tentando preencher o vazio interno com algo externo.
Estabelecer condições para sermos felizes é, na realidade, criar uma situação para não sermos felizes, é criar justificativas para a nossa incapacidade de gerar e manter um estado pleno de felicidade, contentamento, satisfação e gratidão. A maior parte das condições que impomos a nós mesmos e a terceiros, senão todas, deveria ser resolvida internamente.
Tanto quanto possível precisamos a cada instante estar felizes com nós mesmos, a cada grau de consciência que temos. Precisamos estar felizes agora, com as condições que realmente temos, com as situações que se apresentam neste momento.
Especuladores vendem-nos scripts de vida, oferecem-nos fórmulas para vivermos felizes, para encontrarmos alegria, criam roteiros que instruem como tudo deve ser. Instruem homens a agirem assim, porque é o que toda mulher quer e instruem mulheres a “agirem assado” porque é o que todo homem quer. Não cansam de dizer: “olhe para aquele, olhe para aquela! São pessoas felizes, que têm tudo: família, filhos saudáveis, dinheiro.” A verdade é que, quando olhamos atentamente não vemos felicidade alguma, mas mesmo assim seguimos suas orientações, pois é o que todos estão fazendo.
E, depois de fazermos tudo segundo os parâmetros dos scripts que nos foram vendidos como caminho para a felicidade, sentimos um vazio profundo. Percebemos que de nada valeram todos os nossos esforços e ainda sofremos desnecessariamente por isso. Assim, é preciso estar atento para notar a diferença que existe entre viver os acontecimentos com consciência e vivê-los sob os desígnios da mente e seus padrões.
Quando persistimos em viver uma situação que nos traz infelicidade e sofrimento, é porque de alguma forma estamos obtendo algum prazer com isso, ou porque estamos sendo movidos pela expectativa e pela esperança de prazeres futuros. Ninguém em sã consciência insiste em alimentar situações que não tragam ou não venham a trazer algum benefício, por mais ilusório que seja o benefício e o prazer.
É a expectativa e a esperança, que não nos deixam parar de sofrer. Obstinadamente, acreditamos que um dia tudo há de dar certo, e que neste dia tudo terá valido a pena. Estes processos muitas vezes chegam a se transformar em obsessões.
A dor de deixar uma situação de sofrimento e infelicidade é na verdade a dor da sensação de perda da possibilidade de experimentar uma sensação de prazer – seja um prazer que efetivamente ocorre ou uma simples promessa, uma expectativa de prazer futuro.
A esperança é a crença de que algo pode acontecer. É a espera de que uma possibilidade possa vir a se tomar realidade. Isso causa sofrimento e deve ser renunciado, é preciso renunciar à esperança do amanhã para que o hoje seja possível.
A felicidade amanhã nunca acontecerá, sempre haverá um amanhã. É preciso renunciar à possibilidade de felicidade amanhã para que possamos sentir a felicidade agora, no momento presente, em que tudo é possível e nada falta.
Não devemos buscar a felicidade nos grandes eventos de um futuro imaginado. Devemos buscar a felicidade onde ela está: no aqui e agora. No momento presente nada falta, a falta só passa a existir quando olhamos para o futuro ou para o passado. A felicidade, o contentamento, a satisfação e a gratidão estão no momento presente, no aqui e agora.
A infelicidade é fruto de nossa ganância, avareza, orgulho, vaidade e inveja. É fruto de nossa falta de contentamento, satisfação e gratidão.
Disse um iluminado:
“Para quem abre o coração a felicidade sempre está disponível.”
Costumamos reprimir as crianças quando elas estão felizes. Isto geralmente ocorre porque somos reprimidos e nos é difícil aceitar qualquer manifestação parecida com aquilo que reprimimos em nós mesmos
As pessoas vivem atormentadas e torturadas por suas mentes e seus desejos. Acomodadas em seus dilemas acreditam que a vida é assim, que elas são assim. Estão tão envolvidas em seus tormentos, que não conseguem vislumbrar a possibilidade de se tornarem entidades plenas e iluminadas, de se tornarem cristos ou budas. Na verdade, não acreditar na possibilidade de se tornar um iluminado, um santo, um buda, um cristo, é não acreditar na própria existência destes seres.
Normalmente, todos correm atrás de divertimento e entretenimento, chamando a isto de alegria, mas na realidade as diversões e o lazer não passam de artifícios para distrair a mente, de uma tentativa de fuga de si mesmo, de uma tentativa desesperada de esquecer as preocupações, os medos, a infelicidade, a ansiedade e de fazer com que a mente pare de atormentar, de torturar.
Divertimentos e entretenimentos são formas de entorpecer a mente. Sem perceber este processo, as pessoas buscam cada vez mais opções que possam lhes entreter e divertir, seja na televisão, no cinema, nos jogos, nos esportes radicais, no álcool, ou nas drogas.
Esta fuga, esta tentativa de esquecer, esconder e sufocar nossos sofrimentos leva apenas a uma necessidade cada vez maior de novos e diferentes divertimentos e entretenimentos. Nenhuma sabedoria será alcançada desta forma.
Somos nós mesmos que nos atormentamos, somos nós mesmos que criamos e sustentamos os próprios demônios. É preciso perceber que não há lugar nenhum a ir, que não há nada a ser feito, realizado ou conquistado. É preciso perceber que estamos apenas correndo atrás de projeções mentais, de fantasias e ilusões. Tal percepção pode nos trazer paz, felicidade, contentamento, satisfação e plenitude.
Disse, ainda, o iluminado:
“Quando a iluminação lhe der o sabor do real, você perceberá que todos os seus prazeres e todas as suas felicidades eram simplesmente constituídos da matéria da qual os sonhos são feitos; eles não eram reais. E o que veio agora, veio para sempre.”
E disse um sábio monge renunciante:
“A existência material do ser vivo é uma condição doente da vida real. Vida real é a existência espiritual, onde há vida eterna, bem aventurada e plena de conhecimento. A existência material é temporária, ilusória e cheia de misérias, não se encontra felicidade absolutamente, fazem-se apenas tentativas fúteis de se livrar das misérias e a cessação temporária da miséria é falsamente chamada de felicidade.”
…
“O objetivo da vida é se livrar das misérias da vida e não cultivá-las, fortalecê-las ou prolongá-las.”
Os mestres sempre nos ensinaram como eliminar com sabedoria as causas da infelicidade, porém, nunca estamos dispostos a fazer o esforço necessário. Queremos eliminar diretamente própria infelicidade, sem nos preocuparmos com suas causas. É impossível eliminar a infelicidade sem explorar sua origem. Se realmente queremos ser felizes, precisamos mudar este quadro e passar a seguir os ensinamentos dos mestres, a viver sob a luz desses ensinamentos; precisamos trabalhar firmemente sobre nós mesmos, conhecer e reconhecer as causas de nossos tormentos e então abandoná-las, renunciar a elas.
Por Fabio Balota