Corpus Christi
A festa de Corpus Christi é uma celebração solene da Sagrada Eucaristia e foi integrada à liturgia da Igreja Ocidental relativamente há pouco tempo. Instituída oficialmente pela Igreja Católica Romana sob o papado de Clemente V, durante o Concílio Geral de Viena, no ano de 1311, essa celebração reflete a importância crescente atribuída ao sacramento da Eucaristia na vida espiritual de cada um.
A origem dessa festa está ligada a uma visão espiritual da Beata Juliana de Cornillon, uma religiosa agostiniana do século XIII. Em um sonho, ela viu a Igreja sob a lua cheia com uma mancha escura. Juliana interpretou essa mancha como um sinal de que a Igreja falhava em reverenciar adequadamente a Sagrada Eucaristia e a presença real de Cristo nos elementos de pão e vinho. Sua visão foi fundamental para a instituição de Corpus Christi, pois influenciou profundamente o clero e os fiéis sobre a necessidade de uma celebração dedicada à Eucaristia.
Os gnósticos, desde os primeiros séculos do Cristianismo, também demonstraram uma profunda reverência pelos sacramentos, embora sua abordagem fosse frequentemente bem distinta. Para os gnósticos, a realidade material não é negada nem considerada inerentemente má, uma vez que acreditam na interligação e na realidade tanto da dimensão material exterior quanto do espiritual interior.
Assim, a celebração da Eucaristia, onde um pedaço de pão se torna o Corpo de Cristo, é vista como uma expressão dessa interconexão.
Em sua Epístola aos Coríntios, o Apóstolo São Paulo oferece o primeiro relato sobre a instituição desse mistério. Ele descreve a Última Ceia, onde Jesus tomou o pão, deu graças, partiu-o e disse: “Tomai e comei; este é o meu Corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim”. Da mesma forma, Ele tomou o cálice e disse: “Este cálice é o novo testamento no meu Sangue; vós, sempre que o beberdes, fazei-o em memória de mim. Porque sempre que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciais a morte do Senhor até que Ele venha”.
Para os gnósticos, “anunciar a morte do Senhor até que Ele venha” tem um significado profundo e multifacetado. A morte do Cristo é vista como a própria libertação da matéria e a Sua gloriosa transfiguração na veste de luz, revelando seu corpo verdadeiro e espiritual, transcendente e imortal. Ao mesmo tempo, a morte também representa a descida da Vida de Cristo à matéria na encarnação e de forma mística na consagração da Eucaristia.
O conceito de Corpus Christi, que significa “Corpo de Cristo”, é frequentemente mal compreendido. A visão tradicional de muitas ordens religiosas é de que a hóstia consagrada se torna de fato carne humana. No entanto, na filosofia de Aristóteles, a substância refere-se à essência de uma coisa, enquanto sua aparência perceptível é secundária. A transubstanciação, então, refere-se a uma mudança na essência ontológica do pão para o Corpo de Cristo, enquanto sua aparência externa permanece a mesma.
Para os gnósticos, essa transformação é vista de maneira espiritual ou pneumática: a essência ontológica do pão se transforma no Corpo de Cristo espiritual, uma vestimenta de luz.
Samael Aun Weor diz que, ao serem consagrados, pão e vinho recebem elementos “átomos do Cristo Cósmico”, abrindo um grande canal energético “desde o Mundo do Logos até o plano físico”. Esses átomos entram em nosso organismo, representando o próprio Cristo entrando em forma atômica dentro do corpo humano.
O Evangelho segundo São João chama a hóstia sacramental de “o pão vivo que desceu do céu”, indicando que estamos lidando com uma substância viva e espiritual de origem transcendente, ao invés de uma substância física e inanimada.
O apóstolo testemunha o ensinamento de Jesus, que afirmou: “Eu sou o Pão da Vida. Este é o Pão que desce do céu, para que o homem dele coma e não morra. Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão, viverá para sempre; e o pão que eu darei é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo.” Comer deste pão é se alimentar de tudo que vem do espírito, tudo que é elevado, representando o alimento espiritual essencial para a vida eterna.
A transubstanciação da hóstia no Corpo de Cristo, portanto, é uma transformação espiritual e sutil, não física e sensível aos nossos sentidos comuns. O Evangelho de Filipe descreve a vinda de Cristo como sendo a descida do “Pão do Céu” e a semeadura da verdade em toda a criação. Afirma ainda que, antes da vinda de Cristo, não havia pão no mundo, somente alimento para os animais. O mundo então, estava voltado apenas para o material… Foi Cristo quem trouxe o pão do céu para nutrir os homens, e o Espírito Santo realiza a transubstanciação que santifica o pão, transformando-o no Corpo de Cristo.
A transubstanciação para os gnósticos não é apenas uma doutrina, mas uma experiência transformadora da consciência. Participar da Eucaristia é comungar com a Luz Divina presente na hóstia, o que altera essencialmente nosso ser e nos capacita a transcender experiências comuns para alcançar um crescimento espiritual. Essa transformação interior, representada na Eucaristia, opera no inconsciente, modificando nossa percepção do mundo e de nós mesmos. É uma jornada de autodescoberta e iluminação, onde cada partícula de pão e cada gota de vinho simbolizam a união do humano com o divino, rumo à plenitude espiritual.
Quando comungamos desse mistério, nossos “olhos espirituais” se abrem para a Luz Verdadeira oferecida pela Unção Gnóstica. Reverenciando a consagração do Corpus Christi na Unção Gnóstica, estamos reverenciando a centelha de luz que existe em todos nós. O pão torna-se um corpo para a Luz Divina, o pão-caminho do peregrino, o Pão Celestial, o sustento necessário para nossa jornada espiritual. Tornando-se o Pão da Vida, o Corpus Christi, o Corpo de Cristo íntimo, ele nos alimenta e fortalece para suportarmos a jornada espiritual e alcançarmos a plenitude de nossa consciência divina.
“Esses átomos crísticos, que desde o parapeito universal, descem através das grades luminosas das diversas regiões do cosmo infinito, coagulando, cristalizando-se no Pão e no Vinho, ingressaram nos corpos físicos para, ali, incitar os átomos orgânicos no trabalho de cristificação, impulsionando-os com seu dinamismo, seu Verbo; para impulsioná-los, de forma séria, para a autorrealização; para alentá-los dentro das Harmonias Universais”. Este é o grande testemunho dado pelo Mestre Samael, narrando a ação do Corpus Christi, consagrado no Pão e no Vinho.
Essa visão mística e cósmica da Eucaristia revela a profundidade do Mistério da Transubstanciação, não apenas como um rito religioso, mas como uma experiência transformadora que toca o âmago do nosso ser e nos conecta com a divindade interior e universal.
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Por Natalino Sampaio