Memória e Realidade
As memórias e lembranças sempre trazem alguma coisa, carregam consigo um conteúdo, emoções e sensações, sejam elas agradáveis ou não. Portanto, quando nos lembramos de alguma coisa, essa lembrança causa mudanças que podem ser de estado e humor.
A memória é seletiva. Em certos momentos ela parece estar mais viva que em outros, isso acontece por causa do impacto que o evento teve na mente e em nossos sentidos. Quanto mais consciência e atenção forem colocadas em uma situação, mais clara, rica em detalhes e duradoura será a memória.
A maneira correta de usar a memória com sabedoria é para transformação, não como uma lamentação mecânica, mas como algo que estamos conscientes de que fizemos e não queremos repetir.
A mágoa é um ressentimento que ficamos remoendo, um desgosto causado por um pensamento discordante. Toda a mágoa traz junto uma história, alguma lembrança que fica se repetindo. No momento em que conseguimos ter um olhar de compaixão, enxergamos que a história não aconteceu exatamente como imaginamos e isso é muito mais a projeção que fizemos sobre a situação. Assim vemos diferente e consequentemente a mágoa se desfaz.
A memória ajuda no trabalho de reflexão e comparação das situações. Dessa forma aprende-se com as lembranças que estão sendo trazidas se são boas, ruins, úteis ou não.
O significado da palavra ilusão refere-se a erro de percepção, engano dos sentidos ou da mente. Uma das coisas mais importantes para essa transformação é a verdade. Se não existir sinceridade na observação do fato, a nossa visão sobre o que aconteceu já estará distorcida e vai se distorcendo cada vez mais. Ou seja, para que a memória seja fiel precisamos aprender a não mentir, sermos sinceros. Isso quer dizer: não justificar, diminuir ou banalizar.
Nós não conseguimos controlar a própria mente e os pensamentos que trazem as memórias que nos atormentam. Desejos e repulsa são dois polos de uma mesma ilusão. A questão não é repudiar e sim perceber e deixar passar, sem nos identificarmos.
Com as experiências e a falta de presença e de consciência das memórias, nós agimos de maneira mecânica, condicionada. A questão do desejo está relacionada com a lembrança do prazer e da busca da repetição. Nós sofremos porque estamos distantes daquilo que desejamos ou porque estamos perto daquilo ao qual repudiamos.
Existe uma tendencia de transformarmos as pessoas em totalmente boas ou más. Nós tratamos tudo com distância, como se não fossem pessoas. E nós não conseguimos ter relações equânimes, não tratamos bem uma pessoa em relação à outra. Isso acontece porque temos interesses, afinidades, apegos e repulsas, conceitos, preconceitos. A equanimidade na sua essência é uma habilidade de ser imparcial diante de situações, é a habilidade de não ficar preso às ideias, imagens, regras, tradições e ser, de fato, sensível à outra pessoa.
Insight é a compreensão súbita de algo, um estalo, iluminação, revelação de um fato, ideia ou instante. É aquele momento em que captamos algo e temos aquele clarão de percepção, um monte de ideias que começam a se conectar. Uma coisa importante para o insight é não o esquecer. Se nos esquecemos dele e de como surgiu à ideia, ela vai se tornando cada vez mais fraca.
O insight surge a partir do instante que conseguimos direcionar o pensamento para algum tema, contemplamos alguma coisa e vamos investigando até o momento em que se faz a luz.
É nesse momento de insight que o conhecimento se transforma em compreensão, que é algo verdadeiro e passa a ser chamado de recurso íntimo de ação consciente, porque passa a ser um recurso da alma, que vamos poder usar. Para isso é necessário a abertura, só a consciência liberada pode experimentar por si mesma, de forma direta a realidade da vida livre em seu movimento. A observação é a chave.
Com o passar do tempo, as memórias e experiências nos tornam cada vez mais duros, fechados, travados, nos protegemos cada vez mais dos impactos da vida. Essa forma de evitar o sofrimento gera uma casca cada vez mais dura e nos aprisiona, nos deixando cada vez mais fechados para a vida, para o novo, para percepção da realidade.
Os sofrimentos virão, vão acontecer. Nós não vamos conseguir evitar todas as situações difíceis. A dor vai existir, mas se nós estivermos abertos e não evitando, o impacto vai ser menor e vamos poder perceber com olhos renovados.
Só a consciência liberada pode experimentar por si mesma e de forma direta a realidade da vida, livre em seu movimento. Essa é a experiência de insight e de presença.
Da mesma maneira, como nós dissemos lá no início, que a simples lembrança de um estado negativo nos leva a sentirmos coisas ruins, isso vale também para os estados positivos. A questão é como surgem, permanecem e cessam. Percebendo como essas coisas acontecem e achando o caminho que nos levou até este momento de insight, vamos ser capazes de percorrer esse trajeto mais facilmente.
Nós devemos ter clareza dos nossos objetivos, o que têm a ver com o significado da nossa vida, com o que fazemos e porque fazemos. Lembrar-nos dos nossos planos, objetivos é muito importante. Isso é continuidade de propósito.