Ganesha
Ganesha é um dos deuses mais venerados e celebrados no hinduísmo. Representado por um elefante, de pele amarelada ou vermelha, sentada de pernas cruzadas, com quatro braços e cabeça de elefante, é conhecido como Deus da sabedoria e da fortuna, sendo adorado na Índia e em outros países da Ásia.
Seu nome é uma combinação de duas palavras sânscritas: Gana (multidão, exército) e Isa (Senhor), significando Senhor dos exércitos.
Primeiro filho de Parvati (Deusa do Amor e do Casamento), que representa todo o poder feminino, e Shiva (Deus da destruição e transformação), duas divindades poderosas, Ganesha também é chamado de o “Destruidor de Obstáculos”, por sua fama como guia que abre os caminhos.
Para entendermos melhor essa história, temos que conhecer o mito que deu origem ao Deus Ganesha.
O Mito que deu origem ao Deus Ganesha
Existem algumas variações sobre o mito que deu origem a Ganesha, mas todas estão relacionadas ao período em que o Deus Shiva ausentava-se de sua esposa Parvati, quando ia guerrear, ou quando ficava por longos períodos em retiros nas montanhas, deixando-a sozinha em casa. Ela, por sua vez, para se proteger na ausência dele, principalmente enquanto se banhava, ordenava que os guardiões não deixassem ninguém se aproximar do palácio sem sua autorização.
Os guardiões, porém, não impediam a entrada de Shiva no palácio, quando ele regressava, deixando-o entrar sem pedir autorização a Parvati, que se irritava, pois, queria que eles obedecessem a ela.
Assim, ela decide usar seus poderes para criar de sua matéria um filho, que dá o nome de Ganesha, que é instruído a manter a vigilância da casa, impedindo qualquer pessoa de entrar.
Em novo regresso de Shiva ao palácio, após vitoriosa batalha, o menino Ganesha não permite a sua entrada, mantendo-se fiel e obediente as orientações da mãe Parvati. Uma luta é travada entre os dois, e Ganesha tem sua cabeça degolada.
Enquanto isso, Parvati que saía do banho, fica horrorizada ao ver seu filho morto no chão. Triste e enraivecida, a Deusa explica à Shiva que ele havia acabado de matar seu único filho e ordena que ele reviva o menino.
Shiva, constrangido com o que fez, decide trazer Ganesha de volta à vida, com a seguinte combinação: a cabeça da primeira criatura viva que encontrasse dormindo voltada para o norte seria colocada em substituição à cabeça que ele havia decepado.
Os soldados enviados por Shiva para essa busca trouxeram, então, a cabeça de um elefante. Shiva revive Ganesha com a cabeça desse elefante, e, para agradar Shiva, também concede a Ganesha a dádiva de ser adorado por todas as pessoas, tendo seu nome invocado como Deus antes de qualquer outro Deus.
Atualmente é comum vermos imagens e estátuas de Ganesha nas entradas de templos e locais sagrados, como forma de proteger quem está dentro. Antes de festividades ou rituais sagrados, os mantras de Ganesha são cantados como uma forma de trazer proteção, sorte e poder a todos os envolvidos, e remover quaisquer “obstáculos” potenciais que possam surgir à frente.
Ganesha também coloca obstáculos à nossa frente, para que possamos superá-los, e aprendermos e crescermos como pessoas, por essa razão, ele é reverenciado antes de qualquer jornada, projeto, como forma de garantir um bom relacionamento com a divindade e favorecer uma caminhada mais gloriosa.
Ganesha Mudra
Mudras são vários gestos, muitas vezes feitos com as mãos, para focar a mente e direcionar a energia para um determinado lugar. Eles são bastante simbólicos e dizem ser muito poderosos na tradição yogue.
O Ganesha mudra representa força e poder, e também é considerado fortalecedor tanto para o coração físico quanto para o chakra do coração. A posição das mãos cruzadas na frente do peito com os cotovelos bem abertos, representa proteção, mas também simboliza que nossos maiores obstáculos muitas vezes são causados por nós mesmos.
Nossas próprias dúvidas, medos e inseguranças são muitas vezes as únicas coisas que nos impedem e, sabendo disso, podemos perceber que, em vez de buscar fora de nós mesmos as respostas para os problemas da vida, o verdadeiro trabalho está em remover nossos próprios obstáculos
O simbolismo da imagem de Ganesha
Todas as divindades são bastante representativas, com suas várias marcas, cores, rostos e objetos que os cercam, tendo um significado profundo e até mesmo abstrato. Como Ganesha está ligado à proteção e poder, muito de seu simbolismo está relacionado a nos proteger dos obstáculos físicos e sutis da vida.
Já explicamos a origem mitológica da cabeça de elefante de Ganesha, mas é importante destacar que esse animal nativo da Índia é um símbolo de força e poder. Embora em algumas partes do mundo os elefantes pareçam gentis e calmos, quando maltratados têm potencial de causar estragos. Dessa forma, podemos entender que há um relacionamento temeroso, mas respeitoso.
Existem outros elementos no corpo desse Deus que tem significado particular. Seus olhos pequenos, por exemplo, são para concentração e foco em um ponto.
Suas orelhas grandes: mostram que ele ouve aqueles que lhe pedem ajuda, com a grandeza delas representando sua capacidade de ouvir muitas pessoas.
Com uma única presa, tendo a outra sendo usada como caneta indicaria a habilidade que esse Deus tem de superar todas as formas de dualismo.
Uma explicação para a presa quebrada de Ganesha é a de Krishna jogando seu machado em Ganesha depois que ele bloqueou sua entrada nos apartamentos privados de seus pais Shiva e Parvati. Ganesha permitiu que o machado atingisse e quebrasse sua presa para que ninguém pudesse dizer que o machado, na verdade era de seu pai, não era uma arma temível. Outra hipótese da presa quebrada de Ganesha foi que ele a quebrou para transcrever o poema épico Mahabharata, ditado pelo sábio Vyasa que desejava preservar a história para sempre. Esta versão explica a associação de Ganesha com escritores e intelectuais.
As orelhas abertas denotam sabedoria, capacidade de escutar pessoas, e simbolizam a importância de escutar para poder assimilar ideias, ganhar conhecimento.
Sua boca pequena indica que ele ouve mais e fala menos.
A tromba curvada indica capacidade intelectual que se manifesta na faculdade de discernimento entre o real e o irreal.
O Triśūla (arma de Shiva similar a um tridente) desenhado na testa simboliza os três estados de consciência, conhecidos no śaivismo como jagrat, svapna e suṣupta (vigília, sono e sono profundo) e a superioridade de Ganesha sobre ele.
A barriga que contém infinitos universos simboliza a benevolência da natureza e equanimidade, reforçando a habilidade de Ganesha de absorver os sofrimentos do Universo e proteger o mundo. Seu estômago grande mostra que ele é capaz de consumir e digerir tudo de bom e ruim da vida.
Nas quatro mãos de Ganesha, ele segura vários objetos, assim como muitas divindades. Esses objetos são particularmente importantes para simbolizar como cada divindade pode nos ajudar a progredir ao longo da vida.
Uma mão descansando no chão e a outra em pé indica a importância da vivência e participação no mundo material assim como no mundo espiritual, o “viver no mundo sem ser do mundo”.
A mão segurando uma machadinha é um símbolo da restrição de todos os desejos, que trazem dor e sofrimento. Com esta machadinha Ganesha pode repelir e destruir os obstáculos. A machadinha é também para levar o homem para o caminho da verdade e da retidão; na segunda mão segura um chicote, símbolo da força que leva o devoto para a eterna beatitude de Deus. O chicote nos fala que os apegos mundanos e desejos devem ser deixados de lado; na terceira mão, que está em direção ao devoto, está em uma pose de bênçãos, refúgio e proteção (abhaya). Na quarta mão segura uma flor de lótus (padma), e ela simboliza o mais alto objetivo da evolução humana, a realização do seu verdadeiro eu.
Os quatro braços representam os atributos do corpo sutil, que são: alma humana (manas), alma divina (buddhi), ego/mente (ahamkara), e alma existencial, psiquê ou consciência condicionada (citta). Ganesha representa a pura consciência — o ātmān — que permite que estes quatro atributos funcionem em nós.
Apesar dessa descrição básica, na arte hindu, Ganesha é retratado de várias maneiras, dependendo de culturas específicas – indiano, cambojano, javanês etc. Em suas mãos ele muitas vezes carrega uma presa quebrada, um machado, uma concha, um laço, contas de oração e uma bandeja ou tigela de doces. Ele às vezes também empunha um aguilhão de elefante para dominar os obstáculos da vida.
Ganesha é também definido como Omkara, que significa “tendo a forma de Om De fato”. A forma do seu corpo é uma cópia do traçado da letra Devanagari que indica este grande Bija Mantra. Na língua tâmil, a sílaba sagrada é indicada precisamente por uma letra que relembra o formato da cabeça de Ganesha.
Por este motivo, o mantra Om Gam Ganapataye Namah (eu Te saúdo, Senhor das tropas) é um dos mais utilizados e conhecidos mundialmente. Ganesha é considerado Chefe dos Exércitos Celestiais (de Shiva).
Ganesha também é frequentemente retratado montando Kroncha, seu rato gigante, famoso por sua agilidade e também simbólico da capacidade do deus de contornar obstáculos.
Ganesha e Kroncha, o Rato Gigante
De acordo com uma interpretação, o divino veículo de Ganesha, o rato ou Muśika representa sabedoria, talento e inteligência. Ele simboliza investigação diminuta de um assunto difícil. Um rato vive uma vida clandestina nos esgotos. Então ele é também um símbolo da ignorância que é dominante nas trevas e que teme a luz do conhecimento. Como veículo do Senhor Ganesha o rato nos ensina a estar sempre alerta e iluminar nosso eu interior com a luz do conhecimento.
Ambos Ganesha e Muśika amam modaka, um doce que é tradicionalmente oferecido para os dois durante cerimônias de adoração. O Muśika é normalmente representado como sendo muito pequeno em relação a Ganesha, em contraste para as representações dos veículos das outras divindades. Porém, já foi tradicional na arte maharastriana representar e Muśika como um rato muito grande, e Ganesha estando montado nele como se fosse um cavalo.
Outra interpretação diz que o rato (Muśika ou Akhu) representa o ego, a mente com todos os seus desejos, e o orgulho da individualidade. Ganesha, guiando sobre o rato, se torna o mestre (e não o escravo) dessas tendências, indicando o poder que o intelecto e o discernimento têm sobre a mente. O rato (extremamente voraz por natureza) é habitualmente representado próximo a uma bandeja de doces com seus olhos virados em direção de Ganesha, enquanto ele segura um punhado de comida entre suas patas, como se esperando uma ordem de Ganesha. Isto representa a mente que foi completamente subordinada à faculdade superior do intelecto, a mente sob estrita supervisão, que olha fixamente para Ganesha e não se aproxima da comida sem sua permissão.
Ganesha, Chefe do Exército Celestial de Shiva
Uma vez ocorreu uma grande competição entre os Devas para decidir quem entre eles seria o chefe do Gaṇa (tropas de semideuses à serviço de Shiva). Foi pedido aos competidores que eles dessem a volta ao mundo o mais rápido possível e retornassem para os pés de Shiva. Os deuses foram, cada um em seu próprio veículo, e mesmo Ganesha participou com entusiasmo desta corrida; mas ele era extremamente pesado e seu veículo era um rato.
Consequentemente, seu passo era muito devagar e isso foi uma grande desvantagem. Dali a pouco apareceu a sua frente o sábio Narada (filho de Brahma), assim ele perguntou onde estava indo. Ganesha estava muito aborrecido e entrou em fúria porque é considerado um sinal de má-sorte encontrar um Brahmin solitário no começo de uma viagem. Mesmo que Narada seja o maior dos Brahmins, filho do próprio Brahma, isso ainda era um mau presságio. Além disso, não é considerado um bom sinal estar perguntando aonde está indo quando já se está no caminho; então, Ganesha se sentiu duplamente infeliz. No entanto, o grande Brahmin conseguiu acalmar sua fúria. O filho de Shiva explicou a ele os motivos de sua tristeza e seu terrível desejo de vencer. Narada o consolou, o exortando a não entrar em desespero, e deu a ele um conselho: “Assim como uma grande árvore nasce de uma única semente, o nome de Rama é a semente da qual emergiu aquela grande árvore chamada Universo. Então, escreva no chão o nome “Rama”, ande ao seu redor uma vez, e corra para Shiva para pedir seu prêmio.”
Ganesha retornou a seu pai, que perguntou a ele como conseguiu terminar a corrida tão rapidamente. Ganesha contou a ele de seu encontro com Narada e do conselho do Brahmin. Shiva, satisfeito com essa resposta, declarou seu filho como vencedor e, daquele momento em diante, ele foi aclamado com o nome de Gaṇapati (Condutor do exército celestial) e Vinayaka (Senhor de todos os seres).
Inteligência, sabedoria e casamentos
Há uma história que explica a associação de Ganesha com inteligência e sabedoria é sua competição com Karthikeya para ser o primeiro a se casar. Eles estabeleceram um desafio de que quem pudesse circundar a Terra primeiro também encontraria uma noiva primeiro. Sem perder um segundo, Karthikeya rapidamente montou seu pavão azul e imediatamente disparou ao redor do mundo. Ganesha, por outro lado, passeou casualmente até a casa de seus pais, abraçou-os e citou a linha dos sagrados Vedas: “aquele que abraça seus pais sete vezes (pradakshinas), ganha o mérito de cercar o mundo sete vezes”.
Declarado o vencedor, Ganesha prontamente se casou não com uma, mas com duas filhas de Prajapati: Buddhi (inteligência) e Siddhi (poder espiritual) com quem teve dois filhos: Kshema e Laabha. No norte da Índia, além dessas duas, ainda teria mais uma esposa, a Riddi (prosperidade).
Mas o estado civil de Ganesha varia muito nas histórias mitológicas. No sul da Índia, acredita-se que Lord Ganesha é um Brahmachari (solteiro). A ideia por trás da crença é o conceito hindu da relação entre o celibato e o desenvolvimento do poder espiritual.
A três supostas consortes de Ganesha significam os seus próprios poderes. A escritura ‘Ganpati Upanishat’ diz ‘Twam Shakti Trayatmakah’ que significa ‘Você é uma encarnação de três poderes’. E esses poderes são conhecimento, desejo e ação, que corresponde aos consortes do Senhor Ganesha – Buddhi, Riddhi e Siddhi. Por isso, acredita-se que aquele que ora ao Senhor Ganesha com devoção é concedido com conhecimento, prosperidade e liberação.
Comemorações em nome de Ganesha
Apesar de todo esse tempo, Ganesha continua sendo adorado em muitas vertentes do hinduísmo, com práticas, comemorações e festivais diversos.
O Ganesha Chaturthi ou Vinayaka Chaturthi é um festival de dez dias, realizado para homenagear o deus hindu da inteligência, Ganesha. O dia geralmente cai nos meses gregorianos de agosto ou setembro, e é observado com oração, exibição pública e privada de ídolos de Ganesha, canto de hinos védicos e jejum.
No último dia do festival, um ídolo de Ganesha é carregado em uma procissão pública e mergulhado em um corpo de água próximo. Quando a argila se dissolve, acredita-se que Ganesha retorne a Shiva. Ganesha Chaturthi é comemorado em toda a Índia, bem como em países da diáspora hindu, como o Nepal.
Acredita-se que Ganesha Chaturthi foi celebrado pela primeira vez quando as dinastias Satavahana, Rashtrakuta e Chalukya governaram entre 271 a.C. e 1190 d.C.
Na Escola Gnóstica de SP, neste ano de 2022, a data de comemoração será em 31/08/2022, onde realizaremos um pequeno puja (encontro) em homenagem à Ganesha. São colocadas frutas, doces e flores aos pés de Ganesha e alguns cocos que serão quebrados (literalmente atirados no chão para quebrar), onde são feitos os pedidos por cada um dos participantes ao término do puja. É sem dúvida uma das atividades mais esperadas, pois é alegre, colorida, inspira prosperidade, assim como Ganesha.
Enfim, muito temos que falar sobre Ganesha, muitas histórias e aprendizados.
Por Dilma Balota e Marco Barnaba